14 de março nascimento do Poeta Abolicionista Castro Alves

O nascimento do poeta Castro Alves

Castro Alves, um dos maiores poetas brasileiros, nasceu no dia 14 de março de 1847, na cidade de Curralinho, atual Castro Alves, no estado da Bahia. Filho de uma família abastada, desde cedo demonstrou talento e paixão pela literatura.

Aos 15 anos, Castro Alves ingressou na Faculdade de Direito de Recife, onde se envolveu com movimentos abolicionistas e republicanos. Essas influências políticas e sociais foram fundamentais para a construção de sua obra, que se destacou pela denúncia da escravidão e pela defesa dos direitos humanos.

Em 1867, aos 20 anos, publicou seu primeiro livro de poesias, intitulado “Espumas Flutuantes”, que já revelava sua veia lírica e engajada. A obra foi um sucesso e lançou Castro Alves como um dos principais representantes do romantismo brasileiro.

Castro Alves também foi um grande admirador da natureza e da cultura popular. Seus poemas retratam a exuberância da flora e fauna brasileira, assim como a riqueza das tradições e festas populares.

Infelizmente, a vida de Castro Alves foi interrompida precocemente. Aos 24 anos, ele contraiu tuberculose e faleceu no dia 6 de julho de 1871, na cidade de Salvador. Sua morte prematura foi uma grande perda para a literatura brasileira, mas sua obra continua viva e inspiradora até os dias de hoje.

O nascimento de Castro Alves marcou o início de uma trajetória brilhante na literatura brasileira. Sua poesia, marcada pela sensibilidade, pelo engajamento social e pela exaltação da natureza, conquistou o coração dos leitores e o consagrou como um dos grandes poetas da nossa história.

Conhecido como o “Poeta dos Escravos”, em função de suas poesias de cunho abolicionista.

O navio negreiro, de Castro Alves

’Stamos em pleno mar… Doido no espaço
Brinca o luar — dourada borboleta —
E as vagas após ele correm… cansam
Como turba de infantes inquieta.

’Stamos em pleno mar… Do firmamento
Os astros saltam como espumas de ouro…
O mar em troca acende as ardentias
— Constelações do líquido tesouro…

’Stamos em pleno mar… Dois infinitos
Ali se estreitam num abraço insano
Azuis, dourados, plácidos, sublimes…
Qual dos dois é o céu? Qual o oceano?…

’Stamos em pleno mar… Abrindo as velas
Ao quente arfar das virações marinhas,
Veleiro brigue corre à flor dos mares,
Como roçam na vaga as andorinhas…

Donde vem?… Onde vai?… Das naus errantes
Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço?
Neste Saara os corcéis o pó levantam,
Galopam, voam, mas não deixam traço.

Bem feliz quem ali pode nest’hora
Sentir deste painel a majestade!…
Embaixo — o mar… em cima — o firmamento…
E no mar e no céu — a imensidade!

Oh! que doce harmonia traz-me a brisa!
Que música suave ao longe soa!
Meu Deus! Como é sublime um canto ardente
Pelas vagas sem fim boiando à toa!

Homens do mar! Ó rudes marinheiros
Tostados pelo sol dos quatro mundos!
Crianças que a procela acalentara
No berço destes pélagos profundos!

Esperai! Esperai! deixai que eu beba
Esta selvagem, livre poesia…
Orquestra — é o mar que ruge pela proa,
E o vento que nas cordas assobia…

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Por que foges assim, barco ligeiro?
Por que foges do pávido poeta?
Oh! quem me dera acompanhar-te a esteira
Que semelha no mar — doido cometa!

Albatroz! Albatroz! águia do oceano,
Tu, que dormes das nuvens entre as gazas,
Sacode as penas, Leviatã do espaço!
Albatroz! Albatroz! dá-me estas asas…

II

Que importa do nauta o berço,
Donde é filho, qual seu lar?…
Ama a cadência do verso
Que lhe ensina o velho mar!
Cantai! que a noite é divina!
Resvala o brigue à bolina
Como um golfinho veloz.
Presa ao mastro da mezena
Saudosa bandeira acena
Às vagas que deixa após.

Do espanhol as cantilenas
Requebradas de langor,
Lembram as moças morenas,
As andaluzas em flor.
Da Itália o filho indolente
Canta Veneza dormente
— Terra de amor e traição —
Ou do golfo no regaço
Relembra os versos do Tasso
Junto às lavas do vulcão!

O inglês — marinheiro frio,
Que ao nascer no mar se achou —
(Porque a Inglaterra é um navio,
Que Deus na Mancha ancorou),
Rijo entoa pátrias glórias,
Lembrando orgulhoso histórias
De Nelson e de Aboukir.
O francês — predestinado —
Canta os louros do passado
E os loureiros do porvir…

Os marinheiros helenos,
Que a vaga iônia criou,
Belos piratas morenos
Do mar que Ulisses cortou,
Homens que Fídias talhara,
Vão cantando em noite clara
Versos que Homero gemeu…
…Nautas de todas as plagas!
Vós sabeis achar nas vagas
As melodias do céu…

III

Desce do espaço imenso, ó águia do oceano!
Desce mais, inda mais… não pode o olhar humano
Como o teu mergulhar no brigue voador.
Mas que vejo eu ali… que quadro de amarguras!
É canto funeral!… Que tétricas figuras!…
Que cena infame e vil!… Meu Deus! meu Deus! Que horror!

IV

Era um sonho dantesco… O tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho,
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros… estalar do açoite…
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar…

Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras, moças… mas nuas e espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs.

E ri-se a orquestra irônica, estridente…
E da ronda fantástica a serpente
Faz doidas espirais…
Se o velho arqueja… se no chão resvala,
Ouvem-se gritos… o chicote estala.
E voam mais e mais…

Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!

Um de raiva delira, outro enlouquece…
Outro, que de martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!

No entanto o capitão manda a manobra
E após, fitando o céu que se desdobra
Tão puro sobre o mar,
Diz do fumo entre os densos nevoeiros:
“Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
Fazei-os mais dançar!…”

E ri-se a orquestra irônica, estridente…
E da ronda fantástica a serpente
Faz doidas espirais!
Qual num sonho dantesco as sombras voam…
Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
E ri-se Satanás!…

V

Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura… se é verdade
Tanto horror perante os céus…
Ó mar! por que não apagas
Co’a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?…
Astros! noite! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!…

Quem são estes desgraçados,
Que não encontram em vós,
Mais que o rir calmo da turba
Que excita a fúria do algoz?
Quem são?… Se a estrela se cala,
Se a vaga à pressa resvala
Como um cúmplice fugaz,
Perante a noite confusa…
Dize-o tu, severa musa,
Musa libérrima, audaz!

São os filhos do deserto
Onde a terra esposa a luz.
Onde voa em campo aberto
A tribo dos homens nus…
São os guerreiros ousados,
Que com os tigres mosqueados
Combatem na solidão…
Homens simples, fortes, bravos…
Hoje míseros escravos,
Sem ar, sem luz, sem razão…

São mulheres desgraçadas
Como Agar o foi também,
Que sedentas, alquebradas,
De longe… bem longe vêm…
Trazendo com tíbios passos,
Filhos e algemas nos braços,
N’alma — lágrimas e fel.
Como Agar sofrendo tanto
Que nem o leite de pranto
Têm que dar para Ismael…

Lá nas areias infindas,
Das palmeiras no país,
Nasceram — crianças lindas,
Viveram — moças gentis…
Passa um dia a caravana
Quando a virgem na cabana
Cisma da noite nos véus …
…Adeus! ó choça do monte!…
…Adeus! palmeiras da fonte!…
…Adeus! amores… adeus!…

Depois o areal extenso…
Depois o oceano de pó…
Depois no horizonte imenso
Desertos… desertos só…
E a fome, o cansaço, a sede…
Ai! quanto infeliz que cede,
E cai pra não mais s’erguer!…
Vaga um lugar na cadeia,
Mas o chacal sobre a areia
Acha um corpo que roer…

Ontem a Serra Leoa,
A guerra, a caça ao leão,
O sono dormido à toa
Sob as tendas d’amplidão…
Hoje… o porão negro, fundo,
Infecto, apertado, imundo,
Tendo a peste por jaguar…
E o sono sempre cortado
Pelo arranco de um finado,
E o baque de um corpo ao mar…

Ontem plena liberdade,
A vontade por poder…
Hoje… cúm’lo de maldade,
Nem são livres pra… morrer…
Prende-os a mesma corrente
— Férrea, lúgubre serpente —
Nas roscas da escravidão.
E assim roubados à morte,
Dança a lúgubre coorte
Ao som do açoite… Irrisão!…

Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se eu deliro… ou se é verdade
Tanto horror perante os céus…
Ó mar, por que não apagas
Co’a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?…
Astros! noite! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!…

VI

E existe um povo que a bandeira empresta
Pra cobrir tanta infâmia e covardia!…
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!…
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?!…
Silêncio!… Musa! chora, chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto…

Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra,
E as promessas divinas da esperança…
Tu, que da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança,
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!…

Fatalidade atroz que a mente esmaga!
Extingue nesta hora o brigue imundo
O trilho que Colombo abriu na vaga,
Como um íris no pélago profundo!…
…Mas é infâmia demais… Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo…
Andrada! arranca esse pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta de teus mares!

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